Páginas

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Como professoras avessas ao esporte podem ensinar educação física para crianças?

Antes de ensinar, aprender
Fonte: Revista Época.com )

“Agora vocês estão na sala de aula, então vamos acalmar e sentar quietos. A brincadeira ficou lá fora”, diz a professora, tentando conter a euforia das crianças que vêm correndo da quadra. Os alunos, suados e ainda quentes, não escondem a alegria pelos feitos que alcançaram lá fora. Alguns tiveram êxitos elogiados pela turma, e havia uma sensação de que novas conquistas estavam por vir. Aquilo não era o recreio, e sim a aula de educação física, que não é brincadeira e faz parte do currículo escolar. Mas, dentro da sala, é hora de se concentrar em coisas mais importantes. O jeito é abrir o caderno e fazer a tarefa que a professora daria. 

A cena é fictícia, mas descreve o que, na visão de Luiz Otávio Neves Mattos, doutor em educação e professor do departamento de Educação Física da Universidade Federal Fluminense, acontece em muitas escolas reais. Mattos abordou o tema em seu livro Professoras primárias x atividades lúdico-corporais (Autores Associados, 2006), adaptado de sua dissertação de mestrado pela PUC do Rio. Segundo ele, a professora primária, aquela que dá lições de matemática, português, ciências e estudos sociais aos alunos do primeiro ao quinto ano, não costuma se importar muito com o que acontece na quadra – ou em qualquer espaço onde aconteça a educação física. Para ela, diz Mattos, o aluno só aprende dentro da sala de aula e só se diverte do lado de fora.

Mas isso não é verdade. Quem fez faculdade de educação física aprendeu que as brincadeiras e os jogos ensinam muito à criança. O profissional que trabalha do lado de fora da sala com as crianças, usando bolas, cordas, pneus ou mesmo nenhum material, conhece todos os aprendizados envolvidos no que parece ser só diversão. São muitos. Nas brincadeiras de correr ou nos jogos de chutar, as crianças desenvolvem habilidades motoras, a atenção, a capacidade de concentração, o respeito às regras, a autoestima e uma série de outros ganhos que serão úteis a vida toda, em qualquer coisa que elas façam. Inclusive nas aulas de matemática.

O problema é que a professora primária, especialmente aquela das antigas, não estudou educação física. A formação dela no curso de pedagogia não deu toda essa ênfase na importância do movimento. O mesmo acontece com professoras do ensino infantil, que atende crianças de até cinco anos, mas com um agravante. Nas escolas em que não existe professora especialista em educação física para turmas do infantil, são as professoras de sala que promovem as atividades corporais. 

Será que desse jeito será possível promover a cultura do movimento entre as crianças, tão necessária à saúde nos dias de hoje? Será que, sem o exemplo positivo da professora que está todos os dias com as crianças, desde o início de seu desenvolvimento, elas absorverão os valores e conhecimentos necessários para sentir-se bem com seu corpo e com suas habilidades, cuidar dele e adotar uma vida ativa? A educadora física Shelly Blecher Rabinovich debruçou-se sobre o trabalho dessas professoras para seu mestrado, que resultou no livro O espaço do Movimento na Educação Infantil (Phorte, 2007). Ela diz que, embora se considere que as professoras generalistas dão conta do recado, elas não têm a formação necessária nem para entender o que precisa ser ensinado na educação física, e por que. “Já vi professora pedindo para crianças de três anos correrem em volta da quadra”, diz Shelly.

Não é exatamente culpa delas. Segundo as pesquisas de Mattos e de Shelly, essas mulheres que hoje têm de ensinar crianças pequenas a aprender brincando e em movimento não tiveram professoras como as que elas precisam ser. Em muitos casos, a educação física que elas tiveram na escola foi ruim, com pouca ou nenhuma valorização dos menos aptos e muita frustração derrubando a autoestima. Quando fizeram a faculdade, a separação entre o valor do corpo e o do intelecto foi reforçada. Boa parte delas é sedentária e está acima do peso. Como se livrar de toda essa bagagem de registros desvalorizadores da prática esportiva e se transformar de repente na professora atleta? É claro que não há solução pronta.

Uma vez identificado o problema, a missão de Mattos e Shelly passou a ser ajudar essas professoras a entender melhor o que precisam fazer. Mattos deu aulas para professoras primárias no curso de pedagogia de outra universidade fluminense, e Shelley, hoje doutoranda da USP, dá palestras para professoras do infantil. O conteúdo: tudo que as brincadeiras e os esportes têm de bom a oferecer não só às crianças, mas também ao trabalho das professoras em classe. Não é fácil convencer essas mulheres de uma hora para a outra de que os jogos deveriam fazer parte dos projetos de aulas delas, e não ficarem segregados do resto do conteúdo. “Eu tenho conseguido aumentar o interesse delas mostrando como a educação física auxilia no desenvolvimento cognitivo. Se o objetivo for só motor, elas não se envolvem”, diz Shelly.

Um comentário:

Lívia Araujo disse...

Como professora de Educação Física, ouço muito esse tipo de comentário onde as crianças devem deixar as brincadeiras para a aula de EF. Até mesmo as crianças me perguntam: "-Professora, de quê a gente vai brincar hoje?" Pois pra elas, nossa aula é a hora de brincar. Eu sempre respondo que na nossa aula temos brincadeiras e jogos mas é uma aula como outra qualquer e assim, aprendemos coisas novas e desenvolvemos nosso corpo e nosso intelecto.